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Olinda

15 de Janeiro, 2021

Conversando com o Júnior, o simpático encanador que veio consertar um vazamento da pia, fiquei surpreso ao ver as fotos em seu celular que mostravam como ele perdeu 60 kilos em 2018 e 2019. Tudo isso sem cirurgia. Para engrandecer o lado click bait do processo, ele engordou tudo de novo durante a pandemia. Maior que a minha surpresa foi o olhar atônito do Júnior ao ouvir que eu ainda não tinha visitado Olinda. Sem saber, havia cometido uma heresia regional.

A essa altura, eu procastinava uma visita mais ao Norte da região metropolitana desde a mudança, 9 meses atrás. Aliás, Olinda fica ao Norte do Recife de acordo com a Rosa dos Ventos. Esse fato é digno de nota porque os locais chamam de Zona Norte uma região que fica à Oeste da Rosa dos Ventos, rs. No último final de semana, decidi por me purificar deste pecado.

Nem tão herege assim, contudo. Na verdade, a visita que vou relatar abaixo foi a minha segunda vez em Olinda. Na primeira, 28 anos atrás, eu era um feto na barriga da minha mãe.

Frans Post, Olinda, 1621.

Usando o mesmo genoma de Janeiro de 1993 e, já em posse da minha consciência, começamos o passeio pelo começo, isto é, o alto da Praça da Sé. Por enquanto observavamos à vista, um nativo com a camisa do Náutico se aproximou e começou a nos fornecer explicações detalhadas sobre os monumentos ao nosso redor. Sim, ele não estava fazendo isso de graça. A relação com o Elias foi como uma rampa pouco declivosa, quando a gente se tocou, já éramos contratantes e contratado no alto de uma íngreme ladeira.

O sítio histórico de Olinda é interessante. Surpreendentemente, a história do Elias também era instigante. Para piorar [ou melhorar], ela se conectava com a minha [ou não]. O nosso guia tem 42 anos e trabalha conduzindo turistas no local há mais de 30 anos; desde garotinho.

Esse fato me lembra de histórias da minha primeira visita; ainda como nascituro. Naquela viagem, meus pais conheceram diversos lugares do Nordeste e acumularam causos para contar. Cresci ouvindo as estórias ao longo dos anos, sendo que uma das narrativas tinha como linha mestra o guia do passeio em Olinda ter sido um garotinho.

Considero-me um rapaz cândido; mas, não a ponto de perguntar para o Elias se ele lembrava de um casal bonito de mineiros no verão de 1993, rs. Dificilmente meus pais irão se lembrar do nome do garoto, mas vou perguntar enviando este texto, depois do deploy. Meu pai é o editor deste blog, diga-se de passagem. Tenho quase certeza que minha mãe dirá que era Elias mesmo o nome do garotinho. Chutaria, inclusive, que ela vai dizer que: Olha procevê, era Elias mesmo o nome dele. Igual o do seu primo que nasceu nessa época. Se eu fosse você, eu duvidava, rs.

Paisagem em Olinda num dia ensolarado de Verão pandêmico (acervo pessoal) Paisagem em Olinda num dia ensolarado de Verão pandêmico

Espero que os pernambucanos não se ofendam, mas, de todo o passeio, o diálogo abaixo foi a parte mais divertida. Em dado momento, Elias explicou que, durante o carnaval, a geografia do trânsito local ganhava um simbolismo musical. Numa área próxima a uma igreja, cercada por árvores e ao fim da descida de uma ladeira, ocorre um vale formado pelo cruzamento de quatro ruas. Durante o furdunço, existe uma convenção com uma separação em 4 rotas carnavalescas de gêneros musicais.

Dessa forma, o folião pode escolher se deseja carnavalizar-se ao som do frevo, do maracatu, do coco de embolada ou de um quarto gênero musical que não me recordo. Desculpa, Elias. A minha memória não é tão boa e eu sei disso, rs.

Eis que surge a pérola. Elias diz:

— São 4 gêneros e sem música baiana. Não pode música baiana em Olinda durante o Carnaval.

Eu não entendi direito e, candidamente, perguntei:

— Como assim não pode?

Ao que ele respondeu:

— É Lei. Não pode. E se tocar a polícia vai atrás, visse.

Por enquanto escrevia esta parte do texto, parei para pesquisar sobre a tal lei e colocá-la como referência - caso outros nerds desejassem vasculhá-la. Achei uma norma de 2003 proibindo o uso de equipamentos de som no sítio histórico de Olinda durante o Carnaval. Não encontrei nada sobre proibições de música baiana.

Em meio a resultados inconclusivos com um pequeno esforço de pesquisa, decidi por não continuar com a investida. Esta crônica fica melhor com o mistério: existe mesmo a tal lei ou é apenas uma lenda local com efeitos mais inibitórios que muita lei positivada?

Assim como a [in]fidelidade de Capitu, se você descobrir a verdade sobre o Axé music no carnaval de Olinda, não me conte. Voltando à vaca fria [ou ao bode quente], confesso que fiquei incrédulo com a reserva de mercado musical e não me aguentei:

— Se todo mundo fizer isso com toda manifestação regional, não tem globalização. Isso não te parece estranho?

Elias disse que não, afirmou que pelo menos um dos quatro gêneros citados seria suficiente para agradar qualquer um e ainda sugeriu que, quem gostasse de música baiana, que fosse à Bahia ouvi-la. Esse argumento me deixou preocupado. Caso ele seja generalizado e radicalizado, eu iria à falência para comer comida japonesa. Ou me mudaria de vez para o Japão.

Decidi, então, perguntar:

— Se as músicas daqui são tão boas e tão importantes assim, por que precisa dessa lei?

Nesse momento, a donzela que caminhava de mão dadas comigo em meio à arquitetura colonial já apertava a minha mão como um sinal de não prolongue a discussão. Esse sinal de comunicação não-verbal é mais comum do que eu gostaria de admitir. Elias, então, respondeu que, se não fossem por medidas assim, a história do lugar se perderia e acrescentou, educadamente, que cada lugar tem a sua história.

Isto me lembrou de uma bela construção frasal. Silvio MeiraNovos Negócios Inovadores de Crescimento Empreendedor no Brasil, parafraseando Tom Jobim, escreveu que:

Qualquer lugar sensacional que não é o nosso não é tão bom assim. E o nosso, mesmo sem ser tão bom assim, é sensacional.

Aliás, pesquisando sobre a quote acima descobri a origem da paráfrase. Nunca havia pesquisado por ela. Nem quando li e achei legal. O fiz por conta desta crônica para o blog - o que mostra que ele já valeu a pena mesmo tendo meia dúzia de leitores.

Tom Jobim compôs a música O Rio da Minha Aldeia inserindo melodia em um famoso poema bucólico de Alberto Caeiro. Para aqueles que não sabiam como eu, esse é um dos pseudônimos de Fernando Pessoa. São muitos. A fonte de inspiração primária da quote de Silvio Meira passa por Tom Jobim e vem de:

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

Alfredo Keil, No Cais do Tejo, 1881.

A propósito, o Alberto, digo Elias, deve achar que eu sou um daqueles mineiros que sempre passam férias de verão em Porto Seguro ao som de Axé. Ele está quase certo; dos 5 aos 17 anos eu fui, pelo menos, mais de 20 vezes para Nova Viçosa, no extremo Sul do litoral baiano. Eu só não curto Axé.... Para piorar, Nova Viçosa está mais próxima de ser um litoral mineiro, por incrível que pareça. Conhecendo bem o município, os baianos podem ficar felizes com essa perda territorial, rs.

Qual a conclusão? O que tiro disso? O que você, leitor, conclui sobre o debate de identidade regional vs globalização?

Não sei você. Quanto a mim, o próximo objetivo é contar essa mesma história para o maior número de pessoas no Pelourinho, em Salvador, e observar a reação, rs. Vai ver eu começo outra lenda (ou lei), lá.

 

Fim

 

Fun fact: O Elias torce para o Santa Cruz...

P.S.: É importante que se diga que ladeiras, igrejas e árvores são péssimos referenciais de localização em Olinda.