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Por que fazer Direito & Matemática Aplicada?

8 de Fevereiro de 2021

 

Caveat [pule se estiver com pouco tempo]

Há alguns anos eu queria escrever um texto respondendo à pergunta do título. Em parte, porque é uma pergunta que eu precisei [e ainda preciso] responder para mim mesmo. A escrita tem um papel terapêutico na vida de muitos, incluído a minha. Aliás, como mostrado em obras como Twenties: the defining decade, as narrativas que contamos sobre nós mesmos para nós mesmos [e para os outros] são parte crucial do nosso identity capital.

Outra variável que me motiva é fato da pergunta do título ser a indagação que mais ouvi nos últimos anos, depois de qual seu nome e qual seu cpf. O nome está no domínio e o cpf não será compartilhado, rs. Na próxima vez que eu ouvir a terceira, por sua vez, vou mandar esse link e testar a paciência do interlocutor.

Depois de ter enrolado por cerca de 4 anos, realizei o sonho antigo e subi o blog do www.pdelfino.com.br em meados de 2020 da forma como eu queria. Desde então, venho escrevendo funcionalidades, conteúdos novos ou subindo conteúdos antigos; quando dá. Após um convite para conversar com os calouros da FGV DIREITO RIO sobre a dupla graduação, percebi que era o incentivo que faltava.

Tentei escrever algo que fosse interessante para essa audiência: novos alunos do mesmo lugar em que estudei (FGV-RJ). Ao mesmo tempo, tentei transcender a particularização deste grupo ao escrever algo que fosse satisfazer a curiosidade de pessoas de outros lugares.

Por fim, tentei separar o ensaio entre questões mais objetivas, como o que parecem ser as vantagens de cada curso sob o meu olhar de questões mais subjetivas, como os motivos pessoais que me levaram a fazer essa peculiar dupla graduação.

Observação: Matemática Aplicada é a mistura de Estatística, Computação e Matemática Pura. Para não ficar repetitivo, fiz referências à Matemática Aplicada apenas como Matemática. No entanto, o curso é bastante diferente do que chamam muitas vezes de bacharelado em Matemática ou licenciatura em Matemática (destinado à formação de professores).

Por que fazer Matemática Aplicada?

 

Dificuldade

A graduação em Matemática Aplicada é difícil. Muito difícil. É como o BOPE no filme Tropa de Elite, poucos são os que se inscrevem, menos ainda os que concluem.

Na verdade, outros assuntos são muito mais difíceis do que matemática. Até mesmo Direito. Por exemplo, é muito mais fácil definir um vetor do que definir liberdade. Von Neumann tem uma grande quote sobre isso:

If people do not believe that mathematics is simple, it is only because they do not realize how complicated life is.

No entanto, as provas e o sistema educacional não necessariamente refletem de forma simétrica a complexidade epistemológica de cada área. Liberdade é de fato mais complexo de se definir. No entanto, ser aprovado em Álgebra Linear é mais difícil do que passar em Direito Constitucional. Sinto-me confortável de dizer que o curso de Matemática Aplicada é expressivamente mais penoso de se concluir do que o curso de Direito por alguns motivos.

Primeiro, (i) porque é fácil perceber na matemática se determinada pessoa está errada - o que não é trivial em Direito e quase sempre pode ser transformado em uma discussão. Segundo, (ii) porque as disciplinas de Matemática Aplicada são altamente dependentes. Não é possível aprender cálculo multivariável sem saber cálculo com uma variável. Entretanto, é possível fazer uma disciplina de Sucessões no primeiro ou no último ano de Direito, vide a diferença cronológica de currículos de instituições respeitadas (FGVSP e USP). Terceiro, (iii) pelo nível de abstração, rigor e generalização da matemática.

Até aqui falei só da dificuldade numa seção em que objetivo é destacar virtudes. Sim, a dificuldade é um ponto positivo - principalmente quando superada. Mas, mesmo o fracasso diante de uma dificuldade também tem grande valor. Às vezes, a derrota ensina até melhor. Sobre a visão da dificuldade como virtude, veja o discurso e a obra do meu presidente Americano favorito: Ted Roosevelt.

"I wish to preach, not the doctrine of ignoble ease, but the doctrine of the strenuous life, the life of toil and effort, of labor and strife; to preach that highest form of success which comes, not to the man who desires mere easy peace, but to the man who does not shrink from danger, from hardship, or from bitter toil, and who out of these wins the splendid ultimate triumph." Ted Roosevelt

Especificamente sobre o lado virtuoso da dificuldade na vida acadêmica, veja o texto do Paul Graham e a apresentação da heurística do drop-out rate no processo de escolha. Basicamente, ao escolher um major, PG recomenda no ensaio intitulado Undergraduation que o aluno escolha os cursos com base naquele que as pessoas mais desistem, rs. A taxa de desistência de um curso em uma instituição respeitável seria uma proxy de sua dificuldade e, consequentemente, de seu valor.

Nenhum [ou pouco] viés ideológico e político

Na Matemática seus valores morais não irão interferir na correção ou nas discussões em torno do cálculo da sua derivada ou da sua demonstração do Teorema de Bayes. Infelizmente, valores morais e ideologias causam severas distorções em discussões e avaliações de cursos de humanidades. Como as convicções pessoais fazem parte de nossa identidade, é muito difícil de isolá-las, mesmo no ambiente acadêmico e científico. A depender do espaço, não existirá sequer um esforço por parte dos interlocutores para que essa separação exista.

Se conseguíssemos criar uma máquina do tempo, viajássemos ao passado e mostrássemos os avanços da matemática no século XX e XXI para um matemático do século XIX, provavelmente, ele ficaria encantado. Se fizéssemos o mesmo com o Direito e apresentássemos os avanços da Teoria do Direito no século XX e XXI a um ilustre jurista do século XIX, provavelmente, cairíamos numa briga ideológica. Se bobear, seríamos, inclusive, presos, rs.

Confiança intelectual: efeito composto das virtudes anteriores

Depois de superar questões difíceis e ciente de que isso não ocorreu em virtude de alinhamento ideológico, você pode se sentir realizado e confiante. Depois de alguns anos superando expressões cabeludas que pareciam impossíveis, qualquer um ganha um sentimento de confiança de que com esforço, tempo e paciência, é possível aprender tudo.

Estabilidade no tempo e universalidalidade no espaço

Ao longo da minha vida, presenciei mudanças na literatura da nutrição, por exemplo, sobre o ovo. Ao longo da graduação em Direito, presenciei leis inteiras serem derrubadas ou reformuladas. No entanto, desde que me entendo por gente, não houve nenhuma grande mudança na Matemática. Ela é estável. O cálculo que usamos é o mesmo que Newton e Leibniz utilizavam quando o descobriram há mais de 300 anos. O mesmo fenômeno é observado na geometria de Euclides, que é anterior ao nascimento de Jesus Cristo.

Obviamente, existe pesquisa de fronteira em Matemática com novos objetos sendo construídos e novas propriedades sendo descobertas. No entanto, raramente se refutam construções do passado.

Além da estabilidade no tempo, é digno de nota como a Matemática é a mais global e universal de todas as disciplinas. Não existe matemática yankee, matemática bolivariana, matemática europeia, matemática asiática ou matemática tropical. É só Matemática.

Ubiquidade e vocação interdisciplinar

Galileu disse que: "a Matemática é a linguagem com que Deus escreveu o universo". Existe mais de uma interpretação para essa frase. Uma delas indica a ubiquidade da Matemática, isto é, ela está em todos os lugares, inclusive no Direito.

Conforme o ciberespaço que vivemos se tornar mais robusto e com o avanço da capacidade de armazenamento, de processamento computacional e de teoria da Computação, mais claro será a ubiquidade da Matemática em absolutamente todas as áreas do conhecimento. Sobre o ciberespaço, recomendo a leitura do texto Law is code escrito pelo Professor de Direito Lawrence Lessing. Fun fact: a data do trabalho é o dia primeiro de Janeiro do ano 2000.

Se você não pegou, é um trocad1lh0 com a base numér1ca b1nár1a. Ou seja, 1/1/00. Não acho que foi obra do acaso.

Como fim em si mesmo: a beleza

G. Hardy foi um dos maiores matemáticos do século XX. Além de matemático, um grande ensaísta. Um dos seus ensaios mais famosos é o clássico: A Mathematician's Apology. No livro, o autor faz uma grande defesa da matemática como fim em si mesmo, independente de possíveis aplicações. Assim como a Arte, a justificativa e o valor da matemática estariam em sua beleza.

Como um meio: a opcionalidade no mercado

O trabalho do Hardy é sensacional e seu argumento é poderoso. No entanto, você pode estudar Matemática (i) porque ela é bela e (ii) porque você também se preocupa em pagar os seus boletos. A combinação de conhecimentos de Estatística, Computação e Matemática Pura é interessante para diversas carreiras, sobretudo as que se relacionam com o desenvolvimento de software, com o uso de dados , com o desenvolvimento de produtos e com a pesquisa científica. A matemática te dá muita opção, globalmente, por sinal.

Pelos seus colegas

Historicamente, o talento matemático surge, realmente, de todos os lugares. Histórias como as de Srinivasa Ramanujan em menor proporção não são raras. Diferente de cursos como Direito e Administração, pedigree familiar não é muito útil na Matemática Aplicada. O seu sobrenome não vai te ajudar como poderia ocorrer em outras áreas do conhecimento; caso ele venha da nobreza

Além disso, pela reputação de dificuldade, trata-se de um curso que dificilmente atrairá pessoas com pouca bagagem de estudo pretérita à universidade ou que fazem faculdade apenas por diretrizes familiares. Isso tudo contribui para um ambiente nerd-friendly; o cenário ideal para o desenvolvimento intelectual universitário.

Por que fazer Direito?

[em construção]

Por que fazer ambos?

Complementariedade

As virtudes de cada curso são complementares. O Direito te ensina a argumentar, a brigar, a escrever e a falar. Por sua vez, a Matemática Aplicada te dá instrumentos quantitativos, computacionais e analíticos. Os tipos de perfil de pessoas que costumam frequentar os dois cursos também são complementares.

Diferenciabilidade

Quando o Iphone foi lançado era difícil de defini-lo. Ele não era uma máquina fotográfica e nem um gravador, apesar de tirar fotos e gravar áudios. Apesar de mandar emails, não era um blackberry. Ele até fazia ligações, mas não era apenas um telefone. O iphone lançado em meados de 2007 era diferente, único e atrativo no mercado, naquele momento. Todo mundo deveria tentar construir uma formação na direção de habilidades raras e valiosas. A dupla formação em Direito e Matemática Aplicada não é garantia definitiva disso. Mas, pode ser um passo nessa direção.

Opcionalidade

O curso de Direito oferece grande versatilidade de cargos taxativos e exclusivos aos formados em Direito no Brasil: Delegado, Promotor, Juiz, Procurador, Advogado, Fiscal e etc. Como já foi dito, a Matemática Aplicada também te dá muitas opções não taxativas. A soma das duas formações apenas intensifica esse valor. Aliás, cargos de gestão passam a fazer parte do pacote com ainda mais força. Tenho certeza que processos de seleção de trainee de grandes empresas avaliariam com bons olhos candidatos que tivessem tal perfil interdisciplinar.

Interseção: o sweet spot

Apesar de uma dupla graduação ser interessante para trabalhar em grandes empresas de qualquer setor e no governo, o sweet spot da dupla graduação, talvez, esteja na interseção dessas áreas. Um oceano azul em que o advogado-matemático teria grandes vantagens competitivas.

Consigo pensar em dois vetores de interseção com toques de oceano azul. Primeiro, a interseção em que o Direito exerce um poder de regulação sobre tecnologias. Essa me parece a interseção mais óbvia. Aqui, teríamos um advogado que, por estar mais familiarizado com tecnologias, conseguiria discutir com mais propriedade sobre os desafios jurídicos relacionados às tecnologias e as suas implicações. Nesse momento, presenciamos discussões envolvendo as implicações de escolhas de algoritmos, os direitos intelectuais, as práticas anti-concorrenciais de empresas de tecnologia além dos conflitos entre o uso de dados e a privacidade.

Segundo, teríamos uma interseção de Direito e Tecnologia com o Direito Computacional. Isto é, em que se usa a Tecnologia para produzir Direito. Nesse campo, os exemplos são as ferramentas de automação documental, a identificação dos padrões de decisão, modelos de predição sobre futuras decisões e a criação de plataformas para resolução digital e semi-automática de conflitos.

Já antecipando perguntas que possam surgir, a diferença entre fazer a dupla graduação e a formação complementar em Matemática Aplicada, talvez, esteja no quão profundo se deseja ir. No caso da primeira interseção, a formação complementar parece suficiente. Para a segunda, no entanto, talvez, seja melhor ir mais fundo.

Os melhores ganhos marginais

A FGV do RJ oferece outras opções de formação complementar e dupla graduação. Entre todas as opções disponíveis para alunos de Direito, a dobradinha com a Matemática Aplicada é a opção com os maiores ganhos marginais. Ou seja, no mesmo intervalo de tempo e de esforço, os ganhos são maiores do que as outras opções. Por que?

Em virtude da interseção do Direito com as outras áreas ser maior. O aluno de Direito já tem, ao longo do curso, algum contato com economia, ciências sociais e administração. O contato com a Matemática é menor.

FGV RJ: o caminho institucional disponível mais curto

Desconheço qualquer instituição no Brasil ou nos Estados Unidos que permita a algum estudante ter uma dupla graduação em Direito e Matemática Aplicada de forma mais otimizada do que a FGV do RJ. Além de ser possível a elaboração de 1 único TCC para os dois cursos, é possível cortar eletivas de forma cruzada. Assim, corta-se disciplinas eletivas de Direito com as obrigatórias de Matemática Aplicada e se pede dispensa das eletivas de Matemática Aplicada com as obrigatórias de Direito.

Dessa forma, é possível começar em Direito e formar nos dois cursos em 7 anos. Parece muito?

É o mesmo tempo de emendar um mestrado em Direito logo após a graduação, caminho feito por diversas pessoas. Acredito que essa dupla graduação é mais desafiante e mais valiosa

Os meus motivos

[em construção]